07/11/2017

“Veganos chatos, sempre a forçar as suas escolhas”


Existem outras formas de perpetuação da exploração dos animais (produtos de higiene e cosmética testados, compra e venda de cães, gatos e outros, vestuário, entretenimento, etc): todavia, para não ficar repetitivo, o presente texto é somente sobre a parte que trata os animais como comida.

Quando tinha conta no Facebook era ocasionalmente criticada por estar a defender os direitos de todos os animais: também escrevia sobre direitos humanos, feminismo, desigualdade social, discriminação racial e sexual, entre outros assuntos, mas decidiam chatear-se comigo quando eu publicava algo anti-especista.

Enquanto isso, no meu feed apareciam anúncios de páginas que eu nem sequer seguia, quase todas elas ligadas à exploração animal. Tais anúncios surgiam contra a minha vontade: mesmo quando clicava para eliminá-los, passados minutos apareciam outros com a mesma abordagem. Isto pôs-me a pensar no quanto é irónico as pessoas irritarem-se por alguém usar as redes sociais para denunciar um dos maiores crimes morais da Humanidade, ao mesmo tempo que aceitam placidamente estas micro-invasões, vestidas com o subtil véu persuasivo, de negócios que lucram com a morte de animais.

Todos os dias somos constantemente bombardeados com toneladas exaustivas de propaganda que gira em torno de uma alimentação à base de animais: anúncios na televisão, na internet, nas redes sociais, outdoors, folhetos com descontos e anúncios nas paragens de autocarro são só alguns dos meios de aliciamento para o consumo desses produtos. A publicidade tem, precisamente, esse objectivo: chamar a atenção, persuadir e manipular quem recebe a mensagem. Elementos aparentemente tão simples, como a cor, slogan, preço e apelo à emoção, levam à sensação de que o produto em questão é irrevogavelmente essencial, bloqueando o nosso pensamento mais crítico em relação ao mesmo.

Em Portugal há uma cadeia de fast food a cada virar da esquina, o que muito cativa quem está com pressa e não tem muito tempo para comer sendo que esses estabelecimentos, regra geral, servem exclusivamente refeições com ingredientes derivados de animais. Com os restaurantes a história repete-se e só com alguma sorte encontra-se uma alternativa estritamente vegetariana. Nos supermercados, a grande maioria dos alimentos tem produtos de origem animal: quando afirmo isto não estou a pensar no talho, na peixaria, na charcutaria ou no corredor dos lacticínios  estou a pensar em coisas tão simples e que podiam muito bem ser isentas desses ingredientes, como molhos, bolachas, refeições congeladas, massas, entre outros. Até mesmo as sopas instantâneas possuem soro de leite  mas quase ninguém pensa nesse tipo de ingredientes e na origem dos mesmos, até porque são vistos como normais e inofensivos.

Tudo isso comprova que vivemos num sistema tremendamente especista, no qual somos motivados ao consumo exacerbado de produtos que implicaram a exploração e a morte de seres vivos sencientes: quase tudo tem qualquer coisa que veio de um animal, pelo que parece ser difícil escapar  e talvez seja por isso que muitos de nós não aceitamos com bons olhos princípios éticos abolicionistas como o veganismo.

É fácil concluir que a luta pelos animais é descomplicadamente silenciada e que a única voz activa é a de organizações não-governamentais e de particulares que preocupam-se com eles. Comparando com a quantidade de indústrias, marcas e produtos ligados à exploração animal é um movimento pequeno, apesar de já ser abraçado por milhões de pessoas em todo o mundo   e precisamente por ser algo que foge do convencional e desafia todo o modo de vida que normaliza a redução dos animais, é automaticamente visto como opressivo, extremista e violento.

Dizemos que o veganismo é para pessoas chatas que querem impor os seus pontos de vista sobre os outros e em nossa defesa dizemos que temos o direito de comer o que bem nos apetecer. E, enquanto apelamos para essa liberdade de comer o que queremos, as nossas escolhas negam o direito à vida dos que estão presos nas pecuárias e nos matadouros. As nossas escolhas forçam e determinam o destino de biliões de animais durante todo o ano.

Preferimos continuar a mastigar inconscientemente a propaganda exaustiva e os costumes sociais especistas, rejeitando pensar sobre isso por uns cinco minutos e desprezando o mínimo traço de empatia para com aqueles que experimentam a dor como nós. E o mais triste disto tudo é que as nossas escolhas podiam ser outras. Afinal não passam disso mesmo:

de escolhas.

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