30/01/2018

Proteína animal excessiva poderá ser tão prejudicial quanto fumar


Quando no séc. XIX o químico Gerhardus Mulder descreveu a proteína, este nutriente passou a ser considerado o mais importante de todos na manutenção da vida. O próprio nome escolhido para baptizar a nova substância reflecte essa importância, derivado do termo grego “proteios”, que significa “de importância primordial”. Sendo praticamente sinónimo de carne, essa centralidade na proteína e nos produtos animais prevaleceu até aos dias de hoje. Não é incomum ainda existirem receios de um consumo insuficiente de proteína na sua forma animal.

No entanto, todas as recomendações que existem atualmente na prevenção não só de cancro como também de doenças cardiovasculares e diabetes vão no sentido de uma dieta baseada em produtos de origem vegetal. E além disso, de acordo com dados recentes, a ênfase colocada sobre o consumo de proteína poderá ser exagerada e talvez até mesmo prejudicial para a saúde, ao arrepio de algumas tendências actuais de dietas centradas em proteína (animal ou vegetal), tais como a dieta Paleolítica ou a mais controversa dieta Atkins. Ambas as dietas, por motivos diferentes, enfatizam o consumo de proteína (na maior parte das vezes animal), em detrimento dos alimentos ricos em hidratos de carbono.

Se é verdade que os hidratos de carbono simples, presentes em alimentos processados ou à base de farinhas refinadas, poderão ser prejudiciais ao aumentarem os níveis de insulina no sangue, os marcadores inflamatórios, além de serem desprovidos de nutrientes fundamentais e fibra, a proteína animal tem também os seus grandes incovenientes, tal como ser responsável pela subida dos níveis da hormona de crescimento IGF-1 e fonte de substâncias cancerígenas resultantes de a cozinhar em temperaturas elevadas (aminas heterocíclicas), entre outros.

Estudos recentes mostram como uma dieta baixa em hidratos de carbono e rica em produtos de origem animal está associada a um aumento na mortalidade em homens e mulheres. Por outro lado, uma dieta igualmente baixa em hidratos de carbono mas rica em produtos de origem vegetal apresenta resultados contrários, o que sugere que a diferença está na fonte de alimento ser de origem animal ou vegetal.

De facto, tem havido cada vez mais uma percepção consensual acerca do efeitos prejudiciais do consumo de proteína animal, em particular das carnes vermelhas e processadas. O assunto aliás não é novo, mas como sabemos, alterar hábitos e crenças é talvez das actividades mais difíceis de serem alcançadas por todos nós.


Artigo da New York Times em 1907.

Mais recentemente, um novo estudo foi publicado, no qual foram seguidos mais de 6000 adultos durante quase duas décadas. Nesse estudo os investigadores descobriram que consumir uma dieta rica em proteínas animais durante a meia-idade equivale a um risco 4 vezes superior de morrer de cancro do que alguém que consuma uma dieta com pouca proteína. Este risco é na realidade comparável ao risco de fumar.

O consumo excessivo de proteína durante a meia-idade não só está associado a um aumento de risco na mortalidade por cancro, como também aqueles que consomem muita proteína (incluindo carne, leite e queijo) estão também mais susceptíveis a uma morte precoce. Os participantes no estudo que consumiram mais proteína apresentaram um risco 74% superior de morte precoce do que aqueles que consumiram pouca proteína.

O estudo separou os participantes em duas categorias: um grupo composto por indivíduos com idades compreendidas entre os 50 e os 65 anos e outro grupo com pessoas com idades superiores a 65 anos. Os resultados foram diferentes entre os dois grupos, sendo que não se verificaram os mesmos efeitos prejudiciais no consumo elevado de proteína no segundo grupo.

Por outras palavras, o que pode ser benéfico numa idade, pode tornar-se prejudicial noutra. Os investigadores sugerem que em relação ao consumo de proteína os diferentes efeitos possam estar associados aos níveis de IGF-1 no organismo, diferentes a partir de certa idade. Como sabemos, níveis elevados de IGF-1 estão associados a um risco superior de cancro. No entanto, os níveis de IGF-1 descem abruptamente após os 65 anos, o que leva a maior fragilidade e perda de massa muscular. O estudo mostra que embora o consumo elevado de proteína durante a idade-média seja bastante prejudicial, parece ser benéfico para adultos mais velhos: aqueles com idades superiores a 65 anos que consumiram uma dieta rica em proteína mostraram-se menos susceptíveis à doença.

De acordo com Eileen Crimmins, um dos autores do estudo, “a pesquisa mostra que uma dieta com níveis baixos de proteína na meia-idade é útil para a prevenção do cancro e mortalidade em geral, através de um processo que envolve a regulação de IGF-1 e possivelmente os níveis de insulina. No entanto, nós também sugerimos que em idades mais avançadas poderá ser importante evitar uma dieta com pouca proteína para permitir a manutenção de um peso saudável e protecção da fragilidade”.

As taxas de cancro e de mortalidade não foram afectadas ao serem controlados os consumos de hidratos de carbono ou de gordura. No entanto, quando a percentagem de calorias de proteína animal foi controlada, a associação entre o consumo total de proteínas e a mortalidade por cancro ou por outras causas foi muito reduzida, o que sugere que as proteínas animais são responsáveis por essas relações. Quando o ajuste foi feito para as proteínas vegetais, não foi observada mudança, o que indica que a proteína animal e não a proteína vegetal é responsável pelo aumento na mortalidade.

De acordo com Valter Longo, outro dos autores do estudo, “a maioria dos norte-americanos estão a consumir cerca do dobro das proteínas que deveriam, e parece que o melhor seria reduzir o consumo diário de todas as proteínas mas especialmente as proteínas animais”. Estes resultados suportam as recomendações de várias instituições de saúde para um consumo de cerca de 0,8 gramas de proteína por cada quilograma de peso diariamente na meia-idade. Por exemplo, uma pessoa que pese 65 kg deveria consumir cerca de 52 gramas de proteína por dia, dando preferência a proteínas de origem vegetal tal como os feijões ou outras.

Os investigadores definiram uma dieta alta em proteínas quando pelo menos 20% das calorias totais diárias sejam de proteínas, quer se tratem de proteínas animais ou vegetais. Uma dieta moderada em proteínas inclui 10 a 19% de calorias a partir de proteína, enquanto que uma dieta baixa em proteínas inclui menos de 10%.

Entre os 6318 adultos acima dos 50 anos que fizeram parte do estudo, o consumo médio de proteína era de cerca de 16% das calorias totais diárias sendo que cerca de dois terços dessas proteínas são de origem animal. Aqueles que consumiram uma quantidade moderada de proteínas ainda apresentaram um risco 3 vezes superiores de morrer de cancro do que aqueles que fizeram uma dieta baixa em proteína. De um modo geral, mesmo uma alteração modesta de um consumo moderado para um baixo em proteína reduziu a probabilidade de morte precoce em 21%.

Quando os níveis de IGF-1 foram medidos para uma parte da amostra de sujeitos, os resultados mostraram que para cada 10 ng/ml de aumento da hormona em circulação, aqueles que fizeram uma dieta alta em proteína tinham 9% mais probabilidades de morrer do que os que fizeram uma dieta baixa em proteína, o que está em linha com vários estudos que associam níveis elevados de IGF-1 a um risco superior de cancro.

Existem pelo menos dois elementos presentes numa dieta tipicamente Ocidental que contribuem para o aumento dos níveis de IGF-1 no organismo: alimentos com um índice glicémico elevado e proteína animal. Alimentos que provocam uma subida repentina nos níveis de açúcar no sangue obrigam a uma grande produção de insulina o que por sua vez estimula a produção de IGF-1. Ambas as hormonas promovem o crescimento das células e estão associadas a um risco superior de cancro. Além disso, o consumo de alimentos com um índice glicémico elevado aumenta os níveis inflamatórios do organismo, outra das condições favoráveis ao desenvolvimento do cancro.

Estas diferenças entre as proteínas animais e vegetais podem ser comparadas quando se avaliam os níveis de IGF-1 em diferentes tipos de dieta. Um estudo que compara as diferenças entre dietas vegetarianas, vegan e omnívoras mostra que aqueles que seguem uma dieta vegan, sem nenhum tipo de proteína animal, apresentam os níveis mais baixos de IGF-1 e os níveis mais elevados de IGFBP. No estudo podemos observar como a proteína de soja, embora seja uma proteína completa (as proteínas completas são as que mais aumentam os níveis de IGF-1), não contribui tanto para a subida dos valores de IGF-1 como a proteína animal. Isso pode dever-se ao facto de também elevar os níveis de IGFBP, o que inibe a disponibilidade de IGF-1 livre.

Das proteína de origem animal, os laticínios parecem ser aqueles que mais aumentam os níveis de IGF-1 no sangue. O consumo de leite em crianças está associado a um aumento de 30% nos níveis de IGF-1. Crianças mongóis após um mês a consumir leite sem nunca terem antes consumido, apresentaram um aumento de 23,4% nos níveis de IGF-1. Outro estudo que avaliou 2109 mulheres detectou um aumento de IGF-1 com o consumo de leite e queijo.

Como conclusão, o estudo sugere que uma dieta baixa em proteína na meia-idade é provavelmente benéfica na prevenção de cancro, mortalidade em geral e possivelmente diabetes, através de um processo que pode envolver, pelo menos em parte, a regulação dos níveis de IGF-1 e possivelmente de insulina. Em sintonia com muitos outros estudos, estes resultados sugerem que uma dieta composta maioritariamente por nutrientes de origem vegetal provavelmente traz benefícios para a saúde em todos os grupos etários. Os investigadores recomendam que até aos 65 ou mesmo até aos 70 anos, o consumo de proteína diária não deva exceder as 0.7/0.8 gr/kg em vez das 1.0-1.3 gr/kg. Sugerem também que em idades mais avançadas se adopte gradualmente uma dieta rica em proteína, de preferência de origem vegetal, permitindo assim a manutenção de um peso saudável e evitar a fragilidade excessiva.

Sabemos que o ambiente orgânico, modificado pelo estilo de vida que levamos é o principal responsável pelo desenvolvimento de vários cancros. Todos nós mais tarde ou mais cedo teremos micro-tumores alojados algures à espera das condições certas para se poder desenvolver até ao ponto de ser clinicamente observável. Tudo o que fazemos durante esse tempo facilita ou dificulta esse processo. Nas palavras do investigador Valter Longo: “quase todos nós terá uma célula de cancro ou pré-cancerosa em algum momento. A questão é: irá progredir? Acontece que um dos factores mais importantes em determinar se o fará é o consumo de proteína”.


Pontos-chave a reter destes estudos:

• Um consumo elevado de proteínas está associado a uma mortalidade mais elevada de cancro, diabetes e em geral.
• Níveis elevados de IGF-1 aumentaram a relação entre mortalidade e proteína elevada.
• Um consumo superior de proteína poderá ser protector para adultos mais velhos (acima dos 65/70 anos).
• Proteínas de origem vegetal estão associados a uma mortalidade inferior quando comparadas com proteínas de origem animal.


Referências utilizadas:

http://news.sciencemag.org/biology/2014/03/low-protein-diet-may-extend-lifespan

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Texto parcial de Gabriel Mateus | Eat2CareProjeto Safira

Sobre o autor: Gabriel Mateus é fundador e presidente do Projeto Safira, uma Associação sem fins lucrativos que presta apoio a doentes oncológicos e promove acções de esclarecimento sobre prevenção do cancro e promoção da saúde. É mestre em Nutrição Clínica (Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz) e tirou um curso prático de Nutrição e Dietética (Instituto Profissional de Estudos da Saúde). Também tem uma licenciatura em Ciência das Religiões (Universidade Lusófona), um mestrado em Esoterismo Ocidental (Universidade de Exeter) e ocasionalmente dá aulas na Universidade Lusófona.

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