10/10/2018

Vegetarianismo, gravidez e amamentação | De Verde em Poupa


Maria. Mulher, enfermeira e mãe. Substantivos que conseguem encontrar a serenidade necessária para tornar o caos em estrelas. A dor em amor, as pedras lançadas em castelos.
Para além de mulher, enfermeira e mãe, a Maria ainda tem um tempinho para divulgar uma visão mais compassiva do mundo através da alimentação. No seu blogue, De Verde Em Poupa, escreve sobre as maravilhas dos alimentos vegetais e como estes são a chave para uma vida mais feliz e saudável. Por tudo isso, não podia deixar de a convidar a partilhar as suas considerações sobre o vegetarianismo na gravidez e amamentação, desconstruindo certos mitos pelo meio. Quem melhor para o fazer do que alguém com experiência própria?


Como foi a tua alimentação durante a gravidez?

A minha alimentação durante a gravidez foi muito semelhante à alimentação que costumo fazer normalmente, com a particularidade de, até às 20 semanas, ter tido muitas náuseas e ter sido mais difícil ter refeições tão equilibradas quanto gostaria privilegiei, nesta fase, sopas e refeições que me ficassem no estômago! Depois desta altura, foi mais fácil retomar a alimentação e refeições de sempre. Dei mais atenção à hidratação, à variedade dos alimentos e privilegiei alimentos proteicos e com cálcio, ferro, ácidos gordos. A principal alteração que fiz foi comer com mais regularidade e ter snacks saudáveis sempre comigo.
Por não ser imune à toxoplasmose, também tive alguns cuidados extra no que respeita à limpeza/lavagem dos alimentos.


Uma dieta totalmente vegetal é muitas vezes acusada de restrita. Sentiste dificuldades com este tipo de alimentação?

Nunca senti qualquer dificuldade, nem enquanto grávida nem enquanto não grávida. Aliás, acho exactamente o contrário! Sempre senti que a alimentação vegetariana me deu sempre tudo o que necessitava por podermos fazer tantos pratos e combinações diferentes.


Para ti, quais são os nutrientes mais importantes durante a gestação? Quais os alimentos mais ricos nesses nutrientes?

Como disse anteriormente, durante a gravidez aumentei o consumo de ferro, cálcio, ácidos gordos e proteínas. No caso do ferro, privilegiei o consumo de legumes de folha escura e também alimentos com vitamina C que promovem a maior absorção de ferro, bem como alimentos como tomilho, açafrão e coentros.
Em relação ao cálcio, também podemos aumentar a sua absorção através dos alimentos com vitamina C e ingerindo chia, sésamo e sementes de papoila. O manjericão é muito rico em cálcio e as bebidas vegetais também nos podem ajudar a ter o cálcio na nossa alimentação diária (ler sempre os rótulos, há bebidas que são reforçadas com cálcio).
Em relação aos ómegas, temos as avelãs, os óleos de linhaça, cânhamo e noz, tofu, bebidas de soja, sementes de girassol, abacate, sementes de abóbora, frutos secos...
Aumentar o consumo de fibra também acaba por ser importante já que existe um risco acrescido de obstipação na gravidez. Como estive grávida no Verão, usei e abusei da fruta!


Com base na tua experiência, que conselhos dás às mulheres grávidas que gostavam de fazer uma alimentação vegetariana mas que têm dúvidas?

Não há motivo para terem medo. Muitas vezes me perguntaram se iria manter uma alimentação vegetariana na gravidez, como iria fazer, se não iria prejudicar o meu bebé e a minha saúde. A minha resposta era sempre Claro que sim! Bem sei que não é fácil, muitas vezes, ouvir comentários alheios e acreditar em nós próprias, principalmente nesta fase da nossa vida que estamos mais sensíveis. O que vos posso dizer é que o vosso corpo vos dá todos os sinais que precisam de ouvir. Se a vossa alimentação é equilibrada, não há razão para ter medo. A alimentação vegetariana equilibrada tem todos os nutrientes de que precisamos para ter uma gravidez saudável e feliz. Tenham atenção à suplementação para não terem carências (nem suplementarem em excesso), consultem um naturopata ou nutricionista, leiam muito e… confiem em vocês. Digo-vos apenas que, no meu caso, nunca tive valores de hemoglobina tão elevados como agora, nunca me senti cansada durante a gravidez (só mesmo no final), não aumentei excessivamente de peso e tive uma gravidez santa! Acho que se pode dizer que a alimentação contribui muito para isso.


Partilha algumas refeições que fizeste durante a gravidez.

Como pequeno almoço/snack posso dar-te algumas receitas/dicas que resultaram comigo:

Snack simples: 1 mão de amêndoas + 1 peça de fruta da época
Taça de frutos vermelhos: Triturar no robô de cozinha 1 abacate pequeno, 1 tâmara e 1 copo de frutos vermelhos e em cima juntar granola de trigo sarraceno a gosto;
Banana no prato: Servir a banana com uma colher de sobremesa de manteiga de amêndoa, sementes de cânhamo e canela qb;
Batido de banana e abacate: Triturar no robô de cozinha 1 banana, ½ abacate e sementes a gosto (linhaça, cânhamo, etc.). Servir fresco! Tem uma textura maravilhosa!

Nas minhas refeições principais, procurei sempre incluir sopa, um cereal integral, vegetais/tubérculos da época, sementes e um ingrediente mais proteico (tempeh, tofu ou leguminosa).

Exemplos:

• Sopa miso + feijão azuki salteado com arroz integral e salada de pepino com vinagre de ameixa e sementes de sésamo
• Sopa de abóbora + falafel (de lentilhas ou de grão), cuscuz e salada
• Hambúrgueres de tofu com arroz integral e salada roxa
• Lentilhas vermelhas com abóbora, salada de cenoura, pepino e beterraba, feijão verde salteado e abacate com sementes de sésamo tostadas

Também usei (e uso) muita batata doce e apenas não consegui utilizar cogumelos porque me enjoei deles na gravidez!


És adepta da amamentação em livre demanda. Do que se trata?

Deixo o meu bebé mamar quando ele quer, sem horários. O tempo que ele quer. Se me pede de 2 em 2 horas dou. Não me faz sentido guiarmo-nos pelo horário de 3 em 3 horas. Além disso, quando vejo que está com sinais de fome, mesmo sem chorar, ofereço maminha (às vezes até é só para conforto). Este método faz com que haja maior produção de leite (quanto mais damos, mais é produzido) e que o bebé fique mais calmo e menos ansioso.


Geralmente, as mulheres que amamentam sentem um aumento de fome. Aconteceu contigo? Que alimentos saciantes recomendas?

Sim. Senti um aumento do apetite (muito mais do que na gravidez). Nas primeiras duas semanas levantava-me todas as noites para petiscar! Optei pelos snacks, iogurte vegetal, manteigas de oleaginosas, cereais e fruta.


A ideia de que existe leite materno fraco continua bastante enraizada: quando a mãe é vegetariana/vegana, esta ideia ainda é mais contundente. O que pensas disso?

Em relação a isso, vou responder exactamente com o que escrevi no blogue, no post sobre dicas para um pós-parto mais verde e feliz:

Ouço muitas vezes falar do leite fraco, mas a mim faz-me mais sentido pensar que tal coisa não existe e que o leite materno é adaptado ao bebé que a mãe tem nos braços. Quando não há produção suficiente de leite, pode dever-se a vários factores entre os quais a algumas (más) práticas que levem à sua redução. Acredito que deve existir livre demanda e que o bebé deve mamar quando quiser. Um bebé alimentado pela mãe mama mais vezes do que um bebé que é alimentado a biberão, não querendo com isso dizer que o leite é fraco. O importante é mesmo aprender a confiar em nós próprias e saber que o nosso leite é o melhor para o nosso bebé.

Não faz sentido pensar que o nosso leite é fraco e muito menos que isso se deve à alimentação vegetariana. No meu caso, o Lourenço nasceu com 2,850g e agora, dois meses depois, está com 5,600g!


Que mensagem queres deixar para as pessoas que vêem a alimentação vegetariana como perigosa para grávidas, bebés e lactantes?

A alimentação vegetariana, quando feita de forma adequada, adapta-se a qualquer fase do ciclo de vida. Arriscar-me-ia a dizer que quem é vegetariano se interessa mais por questões de nutrição (talvez pelo receio de ter carências) e por isso lê, investiga, vai a workshops e a nutricionistas/naturopatas (falo por experiência própria). Sei muito mais de alimentação agora, enquanto vegetariana, do que sabia antes, quando era omnívora. Tenho muito mais cuidado e atenção em obter tudo o que preciso agora. Sei exactamente aquilo que devo ou não devo comer. Não há razão para ter medo quando as coisas são feitas com conhecimento e ponderação. E se isso gera saúde e, acima de tudo, felicidade e paz de espírito, só nos pode fazer bem. ■